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domingo, 26 de agosto de 2012

Upon once a time


Era madrugada quando as pessoas se reuniram em frente a casa dele.
Saíram para as tundras e florestas sob forte nevasca, era a primeira daquele ano.
Caminharam muito procurando por algum sinal, por uma pista.
Já exaustos e quase desistindo alguém grita ao longe --- Aqui!!!

Eles se estabeleceram naquele lugar quando ainda havia apenas uma habitação. Sabia da febre do ouro e quis participar não como garimpeiro, mas fornecendo víveres e outras necessidades básicas à aqueles homens.
Era rotina a compra de peles, as caçadas e a defumação de carnes e peixes para fornecimento em seu estabelecimento.
O inverno estava chegando e era preciso aumentar o estoque. Alguém havia avisado que em certo local havia grande quantidade de animais. Reuniu os amigos e partiu à caçada, a última antes do grande inverno que se aproximava, porque quando chegasse o inverno, seria praticamente impossível obter qualquer quantidade razoável de alimentos.
Utilizariam uma técnica indígena, que significava fazer um cerco aos animais, conduzindo-os para uma fechada e estreita passagem, onde seria mais fácil o abate.
Sabia que seria uma tarefa demorada, que exigiria grande esforço, por isto levava alimentos para vários dias.
Separados e seguindo as trilhas conhecidas ou abrindo outras, partiram.
Rumou para o sul, de onde após muitos quilômetros faria um contorno na margem do rio, sentido sudoeste.
Um homem só na floresta ou mesmo pelas tundras é vítima fácil de um animal faminto ou ser capturado pelos índios que havia na região. Mas experiente e amigo dos chefes das aldeias, deste medo não se preocupava. Por vezes um ou outro urso era avistado, mas nunca foi incomodado.
A noite já estava adiantada quando parava um pouco para repousar ao lado de uma fogueira. Mas em uma destas breves paradas, foi acordado por um som que se afastava dele. Olhou para os lados, pegou uma de suas armas e nada viu. Ao se preparar para continuar a jornada viu que a coisa mais importante que tinha fora levada embora. Procurou por rastros e viu ser pegadas humanas e naquela região habitam seus amigos. Alguém entre eles o havia traído. Aquela mesma gente que ele ajudara. Não se importando com o fato, continuou. Já estava chegando ao ponto em que deveria voltar-se para o sudoeste. Chegara tarde, e avistando o rio lá em baixo, recostou-se em uma árvore à beira do barranco e armou uma linha de pesca na esperança de que algum peixe fosse atraído e assim ele poderia se alimentar.
Recostado começou a recordar de sua grande caminhada até aquele vilarejo. Passara por tantos lugares, vira tantas coisas e aprendera com elas.
Havia lugares sagrados para onde ia. Havia lugares que lhe foi proibido de frequentar por mais que desejasse, passou várias e várias vezes pela circunvizinhança daqueles locais. Mas só, não teria  significado. Queria alguém com ele e este alguém nunca quis ir junto. Proibira-o. Este alguém era recatado até algum tempo, depois deslanchou seus desejos mais profundos e escondidos e frequentava aqueles lugares para embriagar-se de salsaparrilha e outros fermentados. Ria muito, fazia coisas que jamais permitira que ele fizesse. Mas com ele? Não. Lugar proibido.
Um lampejo passou pela sua mente: Algum dia alguém irá passar por estas trilhas, seus filhos ou netos --- se os tiver --- e se lembrariam de quantas vezes ele havia passado por ali em busca de conforto para eles ou mesmo para ir até uma ou outra aldeia em busca de cura para as doenças dele e deles --- os remanescentes. E quanto aos locais proibidos, somente uma pessoa teria algum pensamento.
Adormeceu com estes pensamentos e o estômago vazio.
Quando os outros ouviram o grito --- Aqui!!! ---correram e na margem do rio viram o corpo em um remanso enroscado em um tronco de árvore. O leito era profundo e desceram com cuidado amarrados em cordas até o local. Já havia cinco dias desde o desaparecimento e em estado já adiantado de decomposição foi uma tarefa árdua retirá-lo de lá.
Enrolaram em tecido qualquer e começaram a jornada pela margem do rio até um ponto em que pudessem colocar uma canoa e remar rio acima até o vilarejo.
Quando chegaram já eram aguardados por um pequeno grupo, vez que a notícia já havia sido entregue pelo batedor que se adiantara.
A mulher estava junto aguardando, não a permitiram que visse o que restou do corpo, inchado e em partes já dilacerado. O cheiro ruim exalado, não condizia com sua vida.
Ela recebeu suas roupas e no bolso de sua calça bem protegido uma série de papéis onde ele escrevia seus pensamentos e sentimentos.
O pastor achou melhor fazer a cerimônia de sepultamento imediatamente. E assim foi.
Nos poucos minutos que o corpo foi velado, ela encostou ao lado do pacote embrulhado e pensava em tudo o que ele lhe perguntava, em todos os monólogos que ele fazia no sentido de conversar e ela respondia com o silêncio. Ele sempre dizia que isto era crueldade, mas insensível e ouvindo conversa de comadres, endurecera seu coração.
Depois da cerimônia e tornado santo, como se tornam todos na hora que descem à cova, ela foi ler os seus escritos. Quanto teria sido melhor não carregar estes sentimentos. Falou com ele, respondeu as perguntas, mas ele não estava presente para ouvir.
Mas isto durou pouco tempo, não mais que um mês, e depois estava novamente na salsaparrilha, suas gargalhadas e os locais que com ele nunca frequentou e o sentimento de liberdade enfim eternizado. Não se sentia culpada por nada, afinal como sempre, transferira a responsabilidade para ele --- Quem mandou ele morrer e me deixar.
Uma única lembrança passou pela cabeça dela, uma frase que estava escrita em seu bolso: --- Depois que Eva comeu a maçã, nunca mais parou. Maçã vicia.
O nome dele era Ernest Albert Goeltz, o rio o Yukon, e a cidadezinha que ele vendia suas peles é hoje Whitehorse, capital do território do Yukon.
ELIas, agosto de 2012