Era madrugada quando as pessoas se reuniram em frente a casa
dele.
Saíram para as tundras e florestas sob forte nevasca, era a primeira
daquele ano.
Caminharam muito procurando por algum sinal, por uma pista.
Já exaustos e quase desistindo alguém grita ao longe --- Aqui!!!
Eles se estabeleceram naquele lugar quando ainda havia
apenas uma habitação. Sabia da febre do ouro e quis participar não como
garimpeiro, mas fornecendo víveres e outras necessidades básicas à aqueles
homens.
Era rotina a compra de peles, as caçadas e a defumação de
carnes e peixes para fornecimento em seu estabelecimento.
O inverno estava chegando e era preciso aumentar o estoque.
Alguém havia avisado que em certo local havia grande quantidade de animais. Reuniu
os amigos e partiu à caçada, a última antes do grande inverno que se aproximava,
porque quando chegasse o inverno, seria praticamente impossível obter qualquer
quantidade razoável de alimentos.
Utilizariam uma técnica indígena, que significava fazer um
cerco aos animais, conduzindo-os para uma fechada e estreita passagem, onde
seria mais fácil o abate.
Sabia que seria uma tarefa demorada, que exigiria grande
esforço, por isto levava alimentos para vários dias.
Separados e seguindo as trilhas conhecidas ou abrindo
outras, partiram.
Rumou para o sul, de onde após muitos quilômetros faria um
contorno na margem do rio, sentido sudoeste.
Um homem só na floresta ou mesmo pelas tundras é vítima
fácil de um animal faminto ou ser capturado pelos índios que havia na
região. Mas experiente e amigo dos chefes das aldeias, deste medo não se
preocupava. Por vezes um ou outro urso era avistado, mas nunca foi incomodado.
A noite já estava adiantada quando parava um pouco para
repousar ao lado de uma fogueira. Mas em uma destas breves paradas, foi
acordado por um som que se afastava dele. Olhou para os lados, pegou uma de
suas armas e nada viu. Ao se preparar para continuar a jornada viu que a coisa
mais importante que tinha fora levada embora. Procurou por rastros e viu ser
pegadas humanas e naquela região habitam seus amigos. Alguém entre eles o havia
traído. Aquela mesma gente que ele ajudara. Não se importando com o fato,
continuou. Já estava chegando ao ponto em que deveria voltar-se para o
sudoeste. Chegara tarde, e avistando o rio lá em baixo, recostou-se em uma
árvore à beira do barranco e armou uma linha de pesca na esperança de que algum
peixe fosse atraído e assim ele poderia se alimentar.
Recostado começou a recordar de sua grande caminhada até
aquele vilarejo. Passara por tantos lugares, vira tantas coisas e aprendera com
elas.
Havia lugares sagrados para onde ia. Havia lugares que lhe
foi proibido de frequentar por mais que desejasse, passou várias e várias vezes
pela circunvizinhança daqueles locais. Mas só, não teria significado. Queria alguém com ele e este
alguém nunca quis ir junto. Proibira-o. Este alguém era recatado até algum
tempo, depois deslanchou seus desejos mais profundos e escondidos e frequentava
aqueles lugares para embriagar-se de salsaparrilha e outros fermentados. Ria
muito, fazia coisas que jamais permitira que ele fizesse. Mas com ele? Não.
Lugar proibido.
Um lampejo passou pela sua mente: Algum dia alguém irá
passar por estas trilhas, seus filhos ou netos --- se os tiver --- e se lembrariam
de quantas vezes ele havia passado por ali em busca de conforto para eles ou
mesmo para ir até uma ou outra aldeia em busca de cura para as doenças dele e
deles --- os remanescentes. E quanto aos locais proibidos, somente uma pessoa teria algum pensamento.
Adormeceu com estes pensamentos e o estômago vazio.
Quando os outros ouviram o grito --- Aqui!!! ---correram e
na margem do rio viram o corpo em um remanso enroscado em um tronco de árvore.
O leito era profundo e desceram com cuidado amarrados em cordas até o local. Já
havia cinco dias desde o desaparecimento e em estado já adiantado de
decomposição foi uma tarefa árdua retirá-lo de lá.
Enrolaram em tecido qualquer e começaram a jornada pela
margem do rio até um ponto em que pudessem colocar uma canoa e remar rio acima
até o vilarejo.
Quando chegaram já eram aguardados por um pequeno grupo, vez
que a notícia já havia sido entregue pelo batedor que se adiantara.
A mulher estava junto aguardando, não a permitiram que visse
o que restou do corpo, inchado e em partes já dilacerado. O cheiro ruim
exalado, não condizia com sua vida.
Ela recebeu suas roupas e no bolso de sua calça bem
protegido uma série de papéis onde ele escrevia seus pensamentos e sentimentos.
O pastor achou melhor fazer a cerimônia de sepultamento
imediatamente. E assim foi.
Nos poucos minutos que o corpo foi velado, ela encostou ao
lado do pacote embrulhado e pensava em tudo o que ele lhe perguntava, em todos
os monólogos que ele fazia no sentido de conversar e ela respondia com o
silêncio. Ele sempre dizia que isto era crueldade, mas insensível e ouvindo
conversa de comadres, endurecera seu coração.
Depois da cerimônia e tornado santo, como se tornam todos na
hora que descem à cova, ela foi ler os seus escritos. Quanto teria sido melhor
não carregar estes sentimentos. Falou com ele, respondeu as perguntas, mas ele
não estava presente para ouvir.
Mas isto durou pouco tempo, não mais que um mês, e depois
estava novamente na salsaparrilha, suas gargalhadas e os locais que com ele
nunca frequentou e o sentimento de liberdade enfim eternizado. Não se sentia
culpada por nada, afinal como sempre, transferira a responsabilidade para ele
--- Quem mandou ele morrer e me deixar.
Uma única lembrança passou pela cabeça dela, uma frase que
estava escrita em seu bolso: --- Depois que Eva comeu a maçã, nunca mais parou.
Maçã vicia.
O nome dele era Ernest Albert Goeltz, o rio o Yukon, e a
cidadezinha que ele vendia suas peles é hoje Whitehorse, capital do território
do Yukon.
ELIas, agosto de 2012
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