Uma história de Henry Van Dyke
O quarto Rei Mago
Vocês sabem a história dos três
reis magos que viajaram do Oriente para Belém para adorar a Jesus e lhe
ofertar as dádivas de ouro, incenso e mirra.
Vou-lhes contar a história do
quarto rei mago que também viu a estrela e resolveu segui-la e do seu grande
desejo de adorar o Rei Menino e lhe oferecer as suas prendas.
Ele morava nas montanhas da Pérsia
e o seu nome era Artaban. Era um médico, alto, moreno, de olhos bem escuros:
a fisionomia de um sonhador, a mente de um sábio. Um homem de coração manso e
espírito indominável.
Era um homem de posses. A sua
moradia era rodeada de jardins bem tratados com árvores de frutas e flores
exóticas. Suas vestes eram de seda fina e o seu manto da mais pura lã. Era
seguidor de Zoroastro e numa noite se reuniu em conselho com nove membros da
mesma seita. Eram todos sábios!
Artaban lhes falou sobre a nova
estrela que vira e o seu desejo de segui-la. Disse-lhes:
"- Como seguidores de
Zoroastro aprendemos que os homens vão ver nos céus, em tempo apontado pelo
Eterno, a luz de uma nova estrela e nesse dia, nascerá um grande profeta e
Ele dará aos homens a vida eterna, incorruptível e imortal, e os mortos
viverão outra vez! Ele será o Messias, o Rei de Israel.
E continuou:
"- Os meus três amigos Gaspar,
Melchior, Baltazar e eu, vimos a grande luz brilhante de uma nova estrela á
vários dias e vamos sair juntos para Jerusalém para ver e adorar o Prometido,
o Rei de Israel. Vendi a minha casa e tudo o que possuo e comprei estas
jóias: uma safira, um rubi e uma pérola para oferecer como tributo ao Rei.
Convido-os para virem comigo nesta peregrinação para juntos adorarmos o rei!”
Mas um véu de dúvida cobriu as
faces de seus amigos:
"- Artaban! Isso é um sonho em
vão. Nenhum rei vai nascer de Israel! Quem acredita nisso é um
sonhador!"
E um a um, todos o deixaram.
"- Adeus amigo!"
Artaban pesquisando os céus viu de
novo a estrela.
"- É o sinal!" Disse ele.
"- O Rei vai chegar e eu vou encontrá-lo."
Artaban preparou o seu melhor
cavalo, chamado Vasda, e de madrugada saiu ás pressas, pois, para encontrar
no dia marcado com Gaspar, Melchior e Baltazar, que já estavam a caminho, ele
precisava cavalgar noite e dia. Já estava escurecendo e ainda faltavam mais
ou menos três horas de viagem para chegar ao sítio de encontro e ele
precisava estar lá antes de meia noite ou os três magos não poderiam demorar
mais à sua espera!
“- Mas, o que é isto?”
Na estrada, perto de umas
palmeiras, o seu cavalo Vasda, pressentindo alguma coisa desconhecida, parou
resfolegando, junto a um objeto escuro perto da última palmeira.
Artaban desmontou. A luz das
estrelas revelou a forma de um homem caído na estrada. Um pobre hebreu entre
os muitos que moravam por perto. A sua pele estava seca e amarela e o frio da
morte já o envolvia. Artaban depois de examiná-lo, deu-o por morto e
voltou-se com um coração triste pois nada podia fazer pelo pobre homem.
“- Mas o que foi isto?”
"- Que devo fazer? Se me
demorar, os meus amigos procederão sem mim. Preciso seguir a estrela! Não
posso perder a oportunidade de ver o Príncipe da Paz só para parar e dar um
pouco de água a um pobre hebreu nas garras da morte!"
"- Deus da Verdade e da
Pureza, dirige-me no teu caminho santo, o caminho da sabedoria que só tu
conheces!"
E Artaban carregou o hebreu para a
sombra de uma palmeira e tratou-o por muitos dias até que êle se recuperou.
"- Quem és tu?" perguntou
ele ao mago.
"- Sou Artaban e vou a
Jerusalém à procura daquele que vai nascer: O Príncipe da Paz e Salvador de
todos os homens. Não posso me demorar mais, mas aqui está o restante do que
tenho: pão, vinho, e ervas curativas."
O hebreu erguendo as mãos aos céus
lhe disse:
"- Que o Deus de Abraão, Isaac
e Jacó o abençoe; nada tenho para lhe pagar, mas ouça-me: Os nossos profetas
dizem que o Messias deve nascer, não em Jerusalém mas em Belém de Judá."
Assim, já era muito mais de meia
noite e vários dias mais tarde quando Artaban montou de novo o seu cavalo
Vasda e num galope rápido prosseguiu ao encontro de seus amigos.
Aos primeiros raios do sol, checou
ao lugar do encontro. Mas... onde estavam os três magos? Artaban desmontou e
ansioso, estudou todo o horizonte. Nem sinal da caravana de camelos dos seus
amigos! Então entre uma pilha de pedras achou um pergaminho e a mensagem:
"- Não pudemos esperar mais,
vamos ao encontro do Rei de Israel. Siga-nos através do deserto."
Artaban sentou-se e cobriu a cabeça
em desespero!
"- Como posso atravessar o
deserto sem ter o que comer e com um cavalo cansado? Tenho mesmo que
regressar à Babilónia, vender a minha safira e comprar camelos e provisões
para a viagem. Só Deus, o misericordioso, sabe se vou encontrar o Rei de
Israel ou não, porque me demorei tanto ao mostrar caridade,"
Artaban continuou a via pelo
deserto e finalmente chegou em Belém, levando o seu rubi e a sua pérola para
oferecer ao Rei. Mas as ruas da pequena vila. pareciam desertas. Pela porta
aberta de uma casinha pobre, Artaban ouviu a voz de uma mulher cantando
suavemente. Entrou e encontrou uma jovem mãe acalentando o seu bebé.
Três dias passados Ela lhe falou
sobre os três magos que estiveram na vila a que disseram terem sido guiados
por uma estrela ao lugar onde José de Nazaré, sua esposa Maria, e o seu bebé
Jesus estavam hospedados. Eles trouxeram prendas de ouro, incenso e mirra
para o menino. Depois, desapareceram tão rapidamente quanto apareceram. E a
família de Nazaré também saiu à noite, em segredo, talvez para o Egito.
O bebê nos seus braços olhou para o
rosto de Artaban e sorriu estendendo os braçinhos para ele.
“Não poderia essa criança, ser o
Príncipe Prometido? Mas não! Aquele que procuro já não está aqui e eu preciso
encontrá-lo no Egito!”
A Jovem mãe colocou o bebê no leito
e preparou um almoço para o estranho hospede que veio à sua casa.
Subitamente, ouviu-se uma grande comoção nas ruas: gritos de dor, o chorar de
mulheres, tocar de trombetas e o clamor:
"- Soldados! os soldados de
Herodes estão matando as nossas crianças!"
A jovem mãe, branca de terror
escondeu-se no canto mais escuro da casa, cobrindo o filho com o seu manto
para que ele não acordasse e chorasse.
Mas Artaban colocou-se em frente à
porta da casa impedindo a entrada dos soldados. Um capitão aproximou-se para
afastá-lo. A face de Artaban estava calma como se estivesse observando as
estrelas. Fitou o soldado um instante e lhe disse:
"- Estou sozinho aqui,
esperando para dar esta jóia ao prudente capitão que vai me deixar em paz.”
E mostrou o rubi brilhando na palma
da sua mão como uma grande gota de sangue.
Os olhos do capitão brilharam com o
desejo de possuir tal jóia!
"- Marchem, Avante!"
Gritou aos seus soldados. "- Não há criança aqui!"
E Artaban olhando os céus orou:
"- Deus da Verdade, perdoa o
meu pecado! Eu disse uma coisa que não era, para salvar uma criança. E duas
das minhas dádivas já se foram. Dei aos homens o que havia reservado para
Deus. Poderei ainda ser digno de ver a face do Rei?"
E Artaban prosseguiu na sua procura
entre as pirâmides do Egito, em Heliopólis, na nova Babilónia às margens do
Nilo... Numa humilde casa em Alexandria, Artaban procurou o conselho de um
velho rabi que lhe falou das profecias e do sofrimento do Messias prometido e
receitado pelos homens.
"- E lembre-se, meu filho: o
Rei que procuras não o vais encontrar num palácio ou entre os ricos e
poderosos. Isto eu sei: os que O procuram devem fazê-lo entre os pobres e os
humildes, os que sofrem e são oprimidos."
E Artaban passou por lugares onde a
fome era grande. Fez a sua morada em cidades onde os doentes morriam na
miséria. Visitou os oprimidos nas prisões subterrâneas, os escravos nos
mercados de escravos...
Em toda a população de um mundo
cheio de angústia ele não achou ninguém para adorar, mas muitos para ajudar!
Ele alimentou os que tinham fome, cuidou dos doentes, e confortou os
prisioneiros... E os anos passaram... 33 anos.
E os cabelos de Artaban já não eram
pretos, eram brancos como a neve nas montanhas. Velho, cansado e pronto para
morrer era ainda um peregrino à procura do Rei de Israel e agora em Jerusalém
onde havia estado muitas vezes na esperança de achar a família de Belém.
Os filhos de Israel estavam agora
na cidade santa para a festa da Páscoa do Senhor e havia uma agitação e
excitamento singular. Vendo um grupo de pessoas da sua terra, Artaban lhes
perguntou o que se passava e para onde o povo se dirigia.
"- Para o Gólgota!" lhe
responderam, "- ...pois não ouviste? Dois ladrões vão ser crucificados e
com eles, um homem chamado Jesus de Nazaré, que dizem, fez coisas
maravilhosas entre o povo. Mas os sacerdotes exigiram a Sua morte, porque disse
ser o Filho de Deus. Pilatos O condenou a ser crucificado porque disseram ser
Ele o Rei dos Judeus.”
"Os caminhos de Deus são mais
estranhos do que o pensamento dos homens," pensou Artaban. "Agora é
o tempo de oferecer a minha pérola para livrar da morte o meu Rei!"
Ao seguir a multidão em direção ao
portal de Damasco, um grupo de soldados apareceu arrastando uma jovem
rapariga com vestes rasgadas e o rosto cheio de terror.
Ao ver o mago, a jovem reconheceu-o
como da sua própria terra e libertando se dos guardas atirou-se aos pés de
Artaban:
"- Tenha piedade!...”, ela
implorou,..."e pelo Deus da pureza, salva-me! Meu pai era mercador na
Pérsia mas faleceu e agora vão me vender como escrava para pagar seus
débitos! Salva-me!"
Artaban tremeu. Era o velho
conflito da sua alma entre a fé, a esperança e o impulso do amor. Duas vezes
as dádivas consagradas foram dadas para a humanidade. E agora? Uma coisa ele
sabia:
“- Salvar essa jovem indefesa era
um gesto de amor. E não é o amor a luz da alma?”
Ele tirou a pérola de junto ao seu
coração. Nunca ela pareceu tão luminosa! Colocou-a na mão da moça:
"- Este é o teu pagamento, o
último dos tesouros que guardei para o Rei!"
Enquanto ele falava uma escuridão
profunda envolveu a terra que tremeu consultivamente! Casas caíram, os
soldados fugiram mas Artaban e a moça protegeram-se de baixo do telhado
sobre as muralhas do Pretório.
"- O que tenho a temer,”
pensou ele," ...e para quê viver? Não há mais esperança de encontrar o
Rei, a procura terminou, eu falhei.”
Mas mesmo esse pensamento lhe
trouxe paz pois sabia que viveu de dia a dia da melhor maneira que soube. Se
tivesse que viver de novo a sua vida não poderia ser de outra maneira.
Mais um tremor de terra e uma telha
desprendeu-se do telhado e feriu o velho mago na cabeça. Repousou no chão e
deitou a cabeça nos ombros da jovem com o sangue a escorrer do ferimento.
Ao debruçar-se sobre ele, ela ouviu
uma voz suave, como música vindo da distancia. Os lábios de Artaban
moveram-se como em resposta e ela escutou o que o velho mago disse na sua
própria língua:
"- Não meu Senhor! Quando te
vi com fome e te dei de comer? ou com sede e te dei de beber? ou quando te vi
enfermo ou na prisão e fui te ver?
Por 33 anos eu te procurei, mas
nunca vi a tua face, nem te servi, meu Rei!"
E uma voz suave veio, mas desta vez
dos céus. A jovem também compreendeu as palavras.
"- Em verdade, em verdade vos
digo que quando o fizeste a um destes meus irmãos a mim o fizeste!"
Uma alegria radiante iluminou a
face calma de Artaban.
Um suspiro longo e aliviado saiu de
seus lábios.
A viagem para ele havia terminado.
O quarto mago, Artaban, compreendeu
que havia encontrado o seu Rei durante toda a sua vida!
Colab: Ir.'. Weber Varrasquim, 33º
Dezembro / 2.003
|
http://www.glesp.org.br/artigos/119-o-quarto-rei-mago.html
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